Imagine o Rio de Janeiro no final do século XIX.
Uma reserva reprimida de inteligência cultural se concentrava na carne dos
negros recém-libertos da instituição escravista, e pelos discursos do corpo
dialogavam com a razão metropolitana dos europeus. A energia estilhaçada do
intervalo sonoro do sotaque africano se expandia colonizando a música e a dança
europeia. No lundu, no jongo, na capoeira,
a alma da África mantinha sua dignidade de expressão, injetando o veneno da
síncope para sempre na veia melódica da música conhecida. A autoridade do
europeu continuou presente no estilo: a armação do corpo era a regra nas danças
de salão. O Brasil popular, das classes mais baixas, adaptou essa ilusão de elegância
conforme elas faziam parte dos seus sonhos. A valsa e a polca representavam
prosperidade e riqueza. Mas a sua consciência mesclada e imperceptivelmente
conquistada já não permitia ignorar a sensualidade potencial adquirida pelos
seus ouvidos indefesos. Os movimentos talvez mais geniais criados em terreno
brasileiro envolveram sempre um jogo de cintura incompreensível para o europeu.
Inspirados pelas umbigadas do Jongo, o quadril masculino bombeava a mulher pela
frente ou por trás, algumas vezes com rotações e sinuosidades que acompanhavam
o movimento ondulatório da música. O Maxixe foi primeiramente classificado como
a “dança proibida”, para deixar clara a reprovação das classes que mantinham o
monopólio da interpretação estética. Os primeiros a contribuir com rebeldia
para a independência da expressão corporal brasileira, portanto, foram os dançarinos
do Maxixe, parente do samba. E o seu terreiro eram salões situados em sobrados
entre o centro, o barro da Lapa e Botafogo. Esses salões eram chamados de
gafieira. Conta a mitologia que o termo vem de “gafe”. Gafieiras eram os
lugares onde se cometiam “gafes”, erros de etiqueta ou falta de atenção à convenção.
Um cronista famoso ajudou a consolidar o título em uma edição do jornal. Como o
critério para as gafes vinham justamente de convenções incapazes de entender a
nova linguagem que ali se construía, o nome é m tributo. É uma homenagem que se
chame a maior expressão da fidelidade corporal à música brasileira de “samba de
gafieira”. E assim de fato é chamado, com muito orgulho. O desenvolvimento
dessa dança seguiu os passos correlatos ao desenvolvimento da própria música: o
tango argentino sempre esteve entre o elenco de influencias da música
brasileira, e o refinamento técnico do samba de gafieira teve de passar orgânica
e necessariamente por uma fase de influencias fortes do Tango. A personalidade,
contudo, se manteve presa à matriz sincopada emprestada da África. A ginga, o
molejo, o jogo de cintura e os estilhaços do jogo de pé, compõem a alma do
comportamento corporal, e da sensação que a dança procura. A alegria e a
tristeza do povo que frequentou as gafieiras do Rio no início do século XX e
fim do XIX fecundou o quadro de movimentos, fosse por imitação uns dos outros,
fosse por competição. As gafieiras continuaram fecundas por muitas décadas.
Hoje a tecnicalidade do samba de gafieira chegou a um nível que exclui as expressões
mais diletantes de amadorismo. Temos como resultado uma expansao cultural madura
e autônoma, que cresceu em exposição constante às tendências da música, adquirindo mais tarde uma dosagem de influência do morro, das
favelas, da paixão pelo futebol, e chegando enfim a uma estrutura refinada de condução
e movimentação. Os dançarinos de ballroom samba internacional dancam hoje a uma
versão muito antiga do Maxixe, cujo nome mudou mais tarde para samba por puras
razoes monetárias. Mesmo os movimentos que permanecem os mesmos, no entanto,
foram adulterados até adquirir uma estrutura mais europeia, emprestada de estereótipos
latinos, no mais das vezes caribenhos, que ultrajam a memoria da cultura e da
musica brasileira. O international ballroom samba não apenas não é samba, como
também não é mais Maxixe, mas sim uma mera sombra de traços acidentais copiada
a um modelo latino de felicidade e alegria sem fim, que seduz europeus velhos e
jovens ingênuos. Arvorados sobre ideais técnicos antigos e tradições clássicas,
a federação internacional continua tentando falar por uma realidade cultural que
não lhes toca. Ao se referir ao samba, se referem ao “samba brasileiro” como se
esse fosse a exceção, mero rebolado erótico e 'exotismo' sem relevância. E se dão o direito de sentir-se indignados e
ultrajados se alguém os contesta e pede explicações. O mais escandaloso e a sua consciencia tranquila: acreditam estar quietos, e olham os brasileiros como os que procuram o conflito ... como se não fosse
um ultraje e um desrespeito se dar o direito de falar pelo corpo e inteligência
de uma cultura da qual eles não entendem: nada.
In this blog i will reinforce the necessity to think about the International ballroom dance colonization as a political discussion. One of my aims is to educate about the technical richness of Brazilian dances, recovering our confidence to speak for ourselves and for our own culture. This way i can contribute to the latin-american dance studies that still do not exist, but that is necessary to set us free from the discursive imperialism of the international community.
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